Surfando além dos limites ...

“Surfar é sentir a sensação de liberdade”

Cristian Weiss, Jornal de Santa Catarina
Como qualquer um, Sidnei Pavesi tem as suas manias. Prefere vestir camiseta vermelha, tem três empregos e gosta de praia. Há quatro anos, surfa na Praia do Atalaia, em Itajaí, onde aprendeu a pegar ondas com o instrutor Jailson Fernandes, da Escola de Surf Amigos da Atalaia. Mas Sidnei não enxerga nada desde os 14 anos. Hoje, pratica esportes e trabalha como fisioterapeuta. Ostenta bom humor a todo tempo, ri das próprias limitações. Já foi campeão de xadrez e salto em distância na época do colégio. Agora, é o protagonista do curta-metragem Mar Além do Azul, primeiro filme-reportagem do Santa.

Jornal de Santa Catarina - Como você ficou cego?
Sidnei Pavesi - Nasci com glaucoma congênito, doença genética. Até os 14 anos enxergava 10% com o olho direito. Fiz cinco cirurgias para manter a porcentagem visual. Eu me virava legal, mas fiquei cego totalmente. Aí precisei readaptar a vida. Foi aí que comecei a buscar o esporte, o entrosamento nas associações. Tudo o que me apresentavam, experimentava. E foi mais para sair de casa. Com xadrez, conheci o Brasil e a América do Sul. Fiz futebol e rafting, que começou por causa de um desafio para mostrar que deficientes podem. É uma forma de inclusão.
Santa - Como você prosseguiu com os estudos?
Sidnei - Eu readaptei minha forma de estudar. Levava gravador para a sala de aula e escrevia letra cursiva, mas não conseguia ler. Depois aprendi o braile e usava computador com programas especiais para poder estudar. Hoje sou graduado em fisioterapia pela Univali e tenho curso técnico pela UFSC.
Santa - Como você encara a deficiência?
Sidnei - Encaro com normalidade porque nunca tive outra vida. Como sentir falta do que nunca teve? Nunca pude pegar um carro e ir para Balneário surfar. Eu faço isso, só que do meu jeito, pego ônibus, chego lá, pego a prancha emprestada e surfo. Tudo é de forma adaptada. Tenho carro próprio, mas minha mãe e meu irmão dirigem.
Santa - Como se desloca sozinho pela cidade?
Sidnei - A gente cria um mapa mental em todo lugar, se alguém nos indicar uma referência. Se alguém me levar a pé para um lugar que eu nunca fui, consigo voltar sozinho.
Santa - Assim como você recria o espaço, como é o mar para você?
Sidnei - O mar para mim é uma piscina grande, cheia de ondas, um lugar bonito, principalmente pelas meninas da praia [risos]. Não tem como explicar para um cego de nascença como definir a linha do horizonte entre o céu e o mar. A gente imagina como um local tranquilo, que tem que respeitar.
Santa - Qual a emoção de surfar pela primeira vez?
Sidnei - Na primeira vez, a sensação é de criança, de liberdade. É sentir a alegria de estar ali. A primeira vez que fiquei em pé na prancha fiquei emocionado. Emocionado comigo mesmo, pois era uma coisa que eu achava que não poderia fazer. Como eu tinha noção, porque já peguei onda de bodyboard, o pulo do gato era ficar em pé. Fiquei de pé por uns dois metros, aí caí de boca de novo [risos], mas fiquei de pé.
Santa - Por que começou a surfar?
Sidnei - Foi um convite de um amigo. Aceitei porque sou persistente. Dá sensação de liberdade e exige esforço físico. Para nós é um desafio pegar a bengala e ir para o trabalho, porque a gente não sabe se a prefeitura abriu uma boca de lobo, por exemplo. O desafio do cego é caminhar sem saber o que está na frente.

FILME-REPORTAGEM
O que é
- É um conceito experimental desenvolvido pelo Santa que une a linguagem do cinema ao jornalismo
- Os curta-metragens têm em média cinco minutos
- O modelo foi inspirado na técnica de cinefotografia, desenvolvida por fotojornalistas e publicitários da Europa e América do Norte

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